CRIMES CIBERNÉTICOS
Lei Carolina
Dieckmann enfrentará dificuldades na prática
Embora a Lei 12.737/2012, apelidada de Lei Carolina Dieckmann — por
causa do vazamento de fotos da atriz nua —, seja considerada um avanço no
tratamento de crimes cibernéticos, as dificuldades oferecidas pelo universo
virtual podem prejudicar a aplicação das regras na prática. Na opinião de
especialistas, a nova legislação que passa a valer a partir desta terça-feira
(2/4) ainda deixa lacunas, como a necessidade de violação de dispositivo de
segurança para configurar crime e a imprecisão de termos técnicos.
Até agora, a Justiça se baseava em tipos previstos pelo Código Penal
para aplicar punições. Invasão de computadores, roubos de senhas e conteúdos de
mensagens eletrônicas, a derrubada proposital de portais e o uso não autorizado
de dados de cartões passam a ser tipificados como crimes. As penas serão
aumentadas se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiros do
material obtido na invasão. A captura de informações privadas, segredos
comerciais ou industriais e dados protegidos por sigilo judicial é considerada
agravante.
Ainda há previsão de aumento de pena de um terço à metade em casos de
crimes praticados contra o presidente da república, os presidentes do Supremo
Tribunal Federal, o da Câmara dos Deputados, do Senado das Assembleias Legislativas
de estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal e para as Câmaras
Municipais. Os crimes praticados contra dirigentes máximos da administração
direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal também
estão na lista. A legislação ainda inclui no Código Penal a equivalência entre
cartões de crédito e débito a documentos pessoais.
Parte dos crimes que ocorrem na internet têm correspondência na lei
penal — como estelionato, fraudes, furtos e ofensas. Por isso, o
criminalista Fábio Tofic Simantob afirma que a alteração legislativa deve concentrar esforços na
tipificação de crimes contra sistemas informáticos, e não aqueles praticados
pela via digital. “Qualquer mudança visando readequá-los à realidade eletrônica
correria o risco de incorrer em casuísmos excessivos e virar sucata com a
mesma fugacidade das novas tecnologias”, alerta. A Lei Carolina Dieckmann
está em acordo com a Convenção de Budapeste sobre Cibercrimes, de 2001.
As penas previstas pela nova lei variam entre três meses e um ano de
detenção. Em relação à dosimetria, o presidente da Comissão de Direito
Eletrônico e Crimes de Alta Tecnologia da Ordem dos Advogados do Brasil de São
Paulo, Coriolano Almeida Camargo, não acredita que as punições sejam brandas. “Não temos no Brasil
registro de diminuição dos delitos em função de penas mais severas”, afirma.
Para ele, a educação digital e as ações preventivas têm mais poder de
transformar a mentalidade dos cidadãos.
Brechas jurídicasPara o advogado Carlo
Frederico Müller,
sócio do Müller e Müller Advogados, a lei foi criada às pressas, praticamente
em resposta aos anseios da opinião pública e de casos que envolviam
celebridades. Ele defende que os administradores de redes sociais, por falta de
controle de acesso, deveriam ser responsabilizados criminalmente em situações
de injúrias, difamações e outras infrações contra terceiros.
Outra ressalva do especialista é a previsão de crime apenas se houver
violação dos dispositivos de segurança. “Nunca estará protegida a maior parte
da população, que é leiga e não tem recursos para comprar e atualizar softwares
de proteção de seus computadores, tablets ou smartphones”, afirma. O
presidente da Subseção de Pinheiros, em São Paulo, da Ordem dos Advogados do
Brasil, Pedro Iokoi,
aponta quebra do princípio de isonomia nesse trecho da lei. “O texto não
protege de modo igual os dispositivos que têm ou não senha. O crime não pode
ficar condicionado à presença de barreira de segurança”, afirma.
De acordo com o especialista David Rechulski, o tipo penal “invadir” remete à
ocupação ou conquista pela força e de modo abusivo. A transposição de mecanismo
segurança seria, portanto, necessária para caracterizar a invasão do
dispositivo informático. Ele ainda afirma que a hipótese de crime é cogitada
apenas se o agente tiver finalidade de obter, adulterar ou destruir informações
armazenadas. “O indevido acesso por si só, ainda que com violação de mecanismos
de segurança, não recebeu reprimenda do legislador”, conclui Rechulski.
O criminalista Luiz Augusto Sartori de Castro, do Vilardi Advogados, teme que a
maioria daqueles que acessam indevidamente os sistemas de informáticas não
sejam punidos pelo Judiciário. “Isso porque não o fazem à força como exige o
tipo penal ao se valer do verbo ‘invadir’”, explica. Outro entrave nos
tribunais serão de natureza processual. Delitos dessa natureza demandam provas
cujo sistema da polícia judiciária não está acostumado e pode gaver problemas
de prescrição e regulamentação.
O uso do termo “dispositivo informático” também é criticado. “Hoje há
uma grande quantidade de aparelhos que permitem o acesso à internet, como
celulares, televisões e até geladeiras. O legislador deveria ter usado a
expressão ‘dispositivo eletrônico”, diz o advogado Pedro Iokoi. Para que haja
crime, não há necessidade que o dispositivo esteja conectado com a internet,
pois a invasão pode ocorrer via Bluetooth, por exemplo. Segundo ele, os
arquivos armazenados em nuvem estão protegidos porque há expectativa de
privacidade. Para Coriolano Almeida Camargo, os invasões de redes sociais
também estão enquadradas. “Muitas vezes o ataque em redes sociais trata-se de
crime conta a honra, já tipificado no Código Penal”, ressalta.
Lei AzeredoDepois de longa polêmica, também entra
em vigor nesta terça-feira a lei para crimes cibernéticos proposta em 1999 pelo
então deputado federal Eduardo Azeredo (PSDB-MG). O projeto foi um dos que
passou mais tempo em tramitação na Câmara. Entre os pontos polêmicos do texto,
estavam a responsabilização de provedores de fiscalizar e armazenar os
registros de atividade dos usuários. As normas sugeridas eram consideradas
muito restritivas, o que dificultou sua aprovação.
O tema central do texto que passa a valer a partir de agora é a
determinação para que a polícia estruture seções especializadas para crimes
virtuais. Para as cidades que não tenham esse setor, deve-se procurar a Polícia
Civil. Atualmente poucos municípios, na maioria capitais, possuem delegadas
especializadas. Outra das mudanças trazidas pela lei é a possibilidade de
um juiz decidir que uma publicação racista, eletrônica ou de outro meio, seja
interrompida.
Revista Consultor Jurídico, 3 de abril de
2013
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