Rudá Ricci
O processo educativo envolve muito mais que avaliações meramente quantitativas focadas no educando
CHEGAMOS AO final da primeira década do século 21 e nossos gestores educacionais e seus consultores propalam fórmulas que parecem prato requentado ou mera transferência de técnicas empresariais de aumento de produtividade como soluções para um ofício peculiar.
Falta de imaginação ou discurso mercadológico de aceitação externa, o fato é que mais parece tentativa de excluir diretores, especialistas e professores do debate sobre os rumos da educação, fazendo coro para envolver o grande público. Como se a saída para a educação fosse questão circunscrita à disputa da opinião pública.
O que seria qualidade na área educacional? Pelo discurso dos gestores públicos, as notas de avaliações sistêmicas: Saresp, Ideb, Simave etc. Seguindo essa trilha, a questão seguinte seria, por lógica, o que as avaliações sistêmicas deveriam investigar. Aí topamos com um imenso silêncio.
Hannah Arendt sugeria que a função da educação é a humanização, ou seja, a inserção dos educandos na humanidade, conformada por experiências plasmadas na linguagem, na escrita, na música, nas artes. Para autores mais focados no sucesso individual, a qualidade da educação estaria centrada no progresso acadêmico ou de emprego-renda do educando.
E nossas avaliações sistêmicas, elas partem de qual princípio? De um vago e generalizado desempenho dos educandos, sem que os não gestores tenham condição de penetrar nessa fórmula mágica.
Já temos ao menos duas décadas de experiências com avaliações sistêmicas externas a respeito do desempenho de nossos alunos. Mas, pelos artigos e propostas apresentadas pelos gestores na grande imprensa, os avanços promovidos foram pífios.
Não chegaram a sinalizar os rumos a serem seguidos para a qualidade e o sucesso tão propalados. Ao contrário.
Dados recentes divulgados pelo Ipea indicam que apenas 13% dos jovens entre 18 e 24 anos frequentavam universidade em 2007. Trata-se da faixa etária mais vulnerável ao desemprego em nosso país. Os dados oficiais revelam uma situação ainda mais grave: menos da metade dos adolescentes entre 15 e 17 anos cursava o ensino médio em 2007.
As disparidades regionais e entre campo e cidade nos aproximam de uma calamidade pública: 57% desses adolescentes que vivem nas cidades brasileiras frequentam o ensino médio, índice que despenca para 31% no caso dos que residem no campo.
E aí começamos a desvelar o mundo real da educação, e não esse pasteurizado e inatingível pelos resultados das avaliações sistêmicas: a taxa de frequência dos que têm renda mensal superior a cinco salários mínimos é dez vezes maior que a dos que percebem até meio salário mínimo.
Circunscrever o foco da avaliação de desempenho à escola, não avaliando o impacto da condição das famílias na performance escolar, é pouco inteligente. E sustentar que a melhora do desempenho de nossos educandos ocorre a partir da premiação de professores é um gasto desnecessário e de pouca evidência de sua eficácia.
Sem articulação de políticas públicas que fechem o círculo da formação de nossas crianças e jovens, envolvendo escola, família e comunidade, todas iniciativas se aproximam de tentativa e erro dos nossos gestores. Talvez essa seja a motivação para se tornarem tão apaixonados pelas fórmulas que os cidadãos não gestores não compreendem em sua totalidade.
Daí por que vários se envolvem com articulações políticas e de conquista da opinião pública cujo mote é envolver todos pela educação, como se fora mobilização sem base social, cujos líderes são a própria base. Porque é uma aposta, e não uma certeza.
O processo educativo envolve muito mais que avaliações meramente quantitativas focadas no educando.
Envolve o consórcio de professores e educadores que contribuem para a formação cotidiana do educando. Envolve o impacto dos hábitos dos pais.
Também sabemos que o perfil do dirigente escolar impacta decisivamente no desempenho de alunos.
Mas as avaliações da moda no Brasil não conseguem articular esses inputs. No máximo, apresentam dados frios que não auxiliam os educadores a compreender por qual motivo 30% dos seus alunos não sabem interpretar textos complexos, ao contrário do restante. E, assim, lançam mão da tradicional e equivocada aula de reforço, que repete fórmula que já se revelou equivocada anteriormente.
Enfim, marketing e educação nunca foram bons aliados. Educação não vive limitada às boas intenções. Trata-se de um tema lastreado em estudos e pesquisas que não geram respostas fáceis.
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RUDÁ RICCI, 47, doutor em ciências sociais, é membro do Fórum Brasil de Orçamento e consultor do SindUTE-MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais) e do Sinesp (Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo). Publicado na Folha de S. Paulo.
CHEGAMOS AO final da primeira década do século 21 e nossos gestores educacionais e seus consultores propalam fórmulas que parecem prato requentado ou mera transferência de técnicas empresariais de aumento de produtividade como soluções para um ofício peculiar.
Falta de imaginação ou discurso mercadológico de aceitação externa, o fato é que mais parece tentativa de excluir diretores, especialistas e professores do debate sobre os rumos da educação, fazendo coro para envolver o grande público. Como se a saída para a educação fosse questão circunscrita à disputa da opinião pública.
O que seria qualidade na área educacional? Pelo discurso dos gestores públicos, as notas de avaliações sistêmicas: Saresp, Ideb, Simave etc. Seguindo essa trilha, a questão seguinte seria, por lógica, o que as avaliações sistêmicas deveriam investigar. Aí topamos com um imenso silêncio.
Hannah Arendt sugeria que a função da educação é a humanização, ou seja, a inserção dos educandos na humanidade, conformada por experiências plasmadas na linguagem, na escrita, na música, nas artes. Para autores mais focados no sucesso individual, a qualidade da educação estaria centrada no progresso acadêmico ou de emprego-renda do educando.
E nossas avaliações sistêmicas, elas partem de qual princípio? De um vago e generalizado desempenho dos educandos, sem que os não gestores tenham condição de penetrar nessa fórmula mágica.
Já temos ao menos duas décadas de experiências com avaliações sistêmicas externas a respeito do desempenho de nossos alunos. Mas, pelos artigos e propostas apresentadas pelos gestores na grande imprensa, os avanços promovidos foram pífios.
Não chegaram a sinalizar os rumos a serem seguidos para a qualidade e o sucesso tão propalados. Ao contrário.
Dados recentes divulgados pelo Ipea indicam que apenas 13% dos jovens entre 18 e 24 anos frequentavam universidade em 2007. Trata-se da faixa etária mais vulnerável ao desemprego em nosso país. Os dados oficiais revelam uma situação ainda mais grave: menos da metade dos adolescentes entre 15 e 17 anos cursava o ensino médio em 2007.
As disparidades regionais e entre campo e cidade nos aproximam de uma calamidade pública: 57% desses adolescentes que vivem nas cidades brasileiras frequentam o ensino médio, índice que despenca para 31% no caso dos que residem no campo.
E aí começamos a desvelar o mundo real da educação, e não esse pasteurizado e inatingível pelos resultados das avaliações sistêmicas: a taxa de frequência dos que têm renda mensal superior a cinco salários mínimos é dez vezes maior que a dos que percebem até meio salário mínimo.
Circunscrever o foco da avaliação de desempenho à escola, não avaliando o impacto da condição das famílias na performance escolar, é pouco inteligente. E sustentar que a melhora do desempenho de nossos educandos ocorre a partir da premiação de professores é um gasto desnecessário e de pouca evidência de sua eficácia.
Sem articulação de políticas públicas que fechem o círculo da formação de nossas crianças e jovens, envolvendo escola, família e comunidade, todas iniciativas se aproximam de tentativa e erro dos nossos gestores. Talvez essa seja a motivação para se tornarem tão apaixonados pelas fórmulas que os cidadãos não gestores não compreendem em sua totalidade.
Daí por que vários se envolvem com articulações políticas e de conquista da opinião pública cujo mote é envolver todos pela educação, como se fora mobilização sem base social, cujos líderes são a própria base. Porque é uma aposta, e não uma certeza.
O processo educativo envolve muito mais que avaliações meramente quantitativas focadas no educando.
Envolve o consórcio de professores e educadores que contribuem para a formação cotidiana do educando. Envolve o impacto dos hábitos dos pais.
Também sabemos que o perfil do dirigente escolar impacta decisivamente no desempenho de alunos.
Mas as avaliações da moda no Brasil não conseguem articular esses inputs. No máximo, apresentam dados frios que não auxiliam os educadores a compreender por qual motivo 30% dos seus alunos não sabem interpretar textos complexos, ao contrário do restante. E, assim, lançam mão da tradicional e equivocada aula de reforço, que repete fórmula que já se revelou equivocada anteriormente.
Enfim, marketing e educação nunca foram bons aliados. Educação não vive limitada às boas intenções. Trata-se de um tema lastreado em estudos e pesquisas que não geram respostas fáceis.
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RUDÁ RICCI, 47, doutor em ciências sociais, é membro do Fórum Brasil de Orçamento e consultor do SindUTE-MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais) e do Sinesp (Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo). Publicado na Folha de S. Paulo.
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