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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O RAIO E O TROVÃO

Título: O raio e o trovão
Autor: Abreu, Kátia
Fonte: O Globo, 16/01/2010, Opinião, p. 7
Há sintomas que, por si só, resumem as doenças. São mais que sinais, são o próprio mal. Por exemplo: quando aparece alguma tentativa de retardar, adiar ou limitar a proteção da Justiça, não há dúvida de que está em marcha uma conspiração contra as liberdades individuais e a própria democracia. Como os trovões. Quando se ouve o barulho, os raios já caíram.
Não há dúvida de que essas metáforas resumem a percepção generalizada sobre o decreto que lançou o PNDH-3 (Plano Nacional dos Direitos Humanos 3), assinado em dezembro e que, com o retardo dos trovões, só agora causa perplexidade.
Ao extrapolar seus bons e saudáveis objetivos - reafirmar e reler conforme a realidade atual os sagrados 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1947, da ONU - os redatores do decreto do PNDH-3 aproveitaram a expectativa de apoio unânime aos princípios que só os inimigos públicos contestam e infiltraram dezenas de dispositivos e propostas que são apenas bandeiras de luta ideológica de grupos radicais em ano eleitoral.
Bem que valia se aplicar aqui uma paródia da célebre frase de Manon, na Revolução Francesa: "Liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome." O certo é que o PNDH 3 anuncia a criação de obstáculos às ações rápidas e indispensáveis da Justiça para conter crimes e violações que poderiam causar danos irreversíveis, se não fossem contidos imediatamente. Tanto que propõe que seja vedada a ação imediata e urgente da Justiça mediante a concessão de medida liminar.
Epa! Procrastinar a ação da Justiça, sob qualquer pretexto, não é sintoma para discussão acadêmica, mas um indicador clássico de intenções totalitárias. No caso concreto contido no PNDH 3, em que se impede que a Justiça contenha a tempo as invasões do MST, há sinais evidentes de preocupação.
Primeiro, porque nega um dos direitos humanos consagrado desde as primeiras declarações, como a da Revolução Francesa, proclamada há mais de dois séculos: o direito à propriedade.
Como não se mexe numa pedra das conquistas civilizatórias sem abalar toda a sua estrutura, o decreto ameaça outros princípios fundamentais da democracia. No caso da liberdade de imprensa prevê a criação de um ranking para classificar a mídia, conforme a interpretação de grupos ideológicos que substituirão, de fato, a Justiça no exame dos delitos de opinião. Donde pode-se concluir como numa demonstração de teorema: estamos diante de um vespeiro. Ou, no mínimo, diante de uma impostura.
A pretexto de criar um plano de atualização e promoção dos direitos humanos, o que se propõe é uma depuração ideológica desses mesmos direitos para atender casuisticamente a composições político-eleitorais. Como, por exemplo, estigmatizar e segregar o agronegócio para atender a grupos radicais na contramão da realidade econômica e social.
Aliás, no mesmo dia em que explodiram as revelações sobre o PNDH-3, revelava-se que a agropecuária salvou a balança comercial brasileira e foi responsável pelo superávit de US$23 bilhões, sem o qual o Brasil teria registrado déficit global de US$29 bilhões devido à queda na exportação dos produtos industrializados.
O importante, porém, é não cair na provocação, típica das técnicas de propaganda revolucionária, e, por algum descuido, permitir a menor suspeita de que atacamos os direitos humanos e sua necessária afirmação. Pelo contrário, estamos denunciando uma tentativa solerte de uso ideológico dessa bandeira para negar a liberdade e a propriedade, asseguradas em todas as declarações de direitos humanos, desde o século XVIII.
KÁTIA ABREU é senadora (DEM-TO) e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

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